– Novembro –
Falar sobre abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes ainda é um tema tabu em nossa sociedade, pois grande parte dos casos relacionados a esse crime ocorrem no seio familiar. As vítimas dessa forma de violência física e psicológica, por vezes, dividem o mesmo teto com os seus abusadores que, em sua maioria, são parentes ou amigos da família.
Entre 2011 e 2017, segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou um aumento de 83% nas notificações de violências sexuais contra crianças e adolescentes. O acompanhamento de espaços comunitários como, por exemplo, ONGs, escolas, igrejas entre outros ambientes sociais, podem contribuir na prevenção do abuso e exploração sexual infantil e adolescente por meio da informação, sobretudo, da autoproteção contra a violência sexual.
No enfrentamento desse mal que atinge as nossas crianças e adolescentes, o Grupo AdoleScER vem desenvolvendo campanhas e atividades a fim de debater o assunto com órgãos da sociedade civil e o poder público. Um dos programas institucionais que promove essas ações é o CriaPaz.
O programa destina-se ao desenvolvimento de atividades socioculturais com crianças entre 09 e 11 anos. Em setembro de 2018, com financiamento do CEDCA/PE demos início ao projeto: “formação de crianças e adolescentes para o enfrentamento ao abuso e exploração sexual no contexto comunitário e escolar da cidade do Recife/PE”. A comunidade contemplada para a realização desse projeto foi Roda de Fogo, no bairro dos Torrões.
Com três encontros semanais, as crianças são estimuladas à produção de conhecimento sobre o tema abordado. Metodologicamente as atividades são pensadas dialogando com o lúdico, considerando as fases do desenvolvimento infantil.
O primeiro módulo do projeto aborda a formação sobre o cuidar do ser, metodologia adotada pelo Grupo AdoleScER. Durante os encontros são trabalhados temas como: respeito a si e ao próximo, práticas afetivas para uma cultura de paz, solidariedade, entre outros temas transversais que tem por objetivo reduzir a violação dos direitos da criança e do adolescente. Em parceria com a Escola Municipal Creusa de Freitas Cavalcanti, localizada no bairro dos Torrões, o grupo de crianças formado pelo CriaPaz realizará ações de multiplicação de saberes e informações para outros estudantes dessa escola.
Multiplicação de informações entre pares e família
Considerando a metodologia Peer-Education consolidada pelo Grupo AdoleScER ao longo de 18 anos, as crianças são estimuladas a orientar seus pares, ou seja, crianças da mesma idade e procedência sócio-econômica, gerando, assim, um efeito multiplicador de conhecimento. Acreditamos que esse protagonismo infantil pode auxiliar na identificação de casos de abuso e exploração sexual por meio da autoproteção.
O projeto considera, também, a família como uma importante parceria nesse processo em rede. Por isso, trabalhamos a construção ou o fortalecimento de laços afetivos das crianças e seus responsáveis.
A Arte como forma de expressão e prevenção
Buscando sensibilizar a criança para o autoconhecimento, a expressão de emoções e sentimentos por meio de estímulos corporais e visuais, contemplamos no projeto algumas práticas artísticas.
No módulo formativo em teatro promovemos um espaço de conhecimento sobre a linguagem teatral e sua relação no reconhecimento de práticas abusivas. Isso significa dizer que relacionamos o conteúdo teatral com um objetivo social, trabalhando assim de maneira integrada ao eixo temático do projeto. Uma abordagem simultânea que considera as linguagens artísticas trabalhadas no projeto como meio de conscientização social e de transformação da realidade das crianças.
Para o teatrólogo brasileiro Augusto Boal “a teatralidade é essencialmente humana. Todo mundo tem dentro de si o ator e o espectador. Representar num ‘espaço estético’, seja na rua ou no palco, dá maior capacidade de auto-observação. Por isso é político e terapêutico.” Logo, consideramos essa linguagem artística como um potencial metodológico dentro do projeto. Por meio do teatro podemos oferecer às crianças a possibilidade da autoexpressão do seu corpo, dos seus pensamentos criativos, o contato com o lúdico e o mundo da imaginação. Durante a aplicação de dinâmicas e exercícios teatrais podemos identificar, também, narrativas imaginárias que escondem a realidade ou demonstrações físicas de possíveis casos de abuso, por exemplo.
Além do teatro, o projeto contempla a formação em comunicação e música, tendo por objetivo a produção audiovisual ao longo do projeto. Em tempos do avanço de uma onda conservadora em nossa sociedade, é preciso estarmos atentos para que esse conservadorismo e discursos morais não escondam uma realidade que está posta a nossa frente.
E é com educação, informação, arte, afetividade, trabalho em parceria com a família, escola e a comunidade que o Grupo AdoleScER soma esforços nessa rede de enfrentamento a essa prática que viola os corpos e compromete a saúde mental das nossas crianças e adolescentes. De mãos dadas,
seguimos na luta!
Adilson Carvalho
Educador Social do Grupo Adolescer
Referências
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/maioria-dos-casos-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-ocorre-em-casa-notificacao-aumentou-83.ghtml Consultado em 06/11/2018.