Escrito por Milene Andrade, pedagoga do Grupo AdoleScER
Segundo dados apresentados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos: até o mês de março foram registradas 105.821 denúncias de situações de violência contra a mulher em nosso país. Em Pernambuco, segundo dados da Secretaria de Defesa Social, no mesmo período, os índices de feminicídio também estiveram em alta em comparação ao ano de 2020. Foi a partir desses dados alarmantes e do acolhimento oferecido por alguns integrantes da REDE Comunitária à moradoras do bairro de Santo Amaro que relataram sobre situações de violência vivenciadas em suas casas, que foi iniciado um diálogo com este grupo visando traçar estratégias de incidir sobre a problemática de violência de gênero/doméstica, entendendo que esta se mostra ainda mais latente por estarmos em meio a um processo pandêmico onde as vítimas, em sua maioria, se veem obrigadas a conviver, de maneira mais intensa, com os seus agressores.
A REDE Comunitária de Santo Amaro foi consolidada no ano de 2020, em meio ao pico da Pandemia que assolou todo o mundo e consequentemente em Pernambuco, tornando a população periférica ainda mais vulnerável, considerando o aumento das taxas de desemprego, a fragilidade da saúde pública, a falta de iniciativas visando a prevenção da população por parte do estado e a necessidade de estabelecer um isolamento social rígido.
As organizações sociais chegaram as comunidades antes mesmo do estado, desenvolvendo ações de conscientização sobre o uso de máscaras, refletindo sobre a higienização constante das mãos, com distribuição de cestas básicas e produtos de higiene e limpeza e uma campanha de comunicação forte. Em Santo Amaro, muitas dessas iniciativas foram estruturadas pela REDE Comunitária. Ainda em 2020 já se falava, com esse grupo sobre a crescente taxa de violência doméstica, uma formação foi realizada em um dos nossos encontros mensais de modo que cada representante pudesse orientar/direcionar mulheres em situação de violência, realizando o encaminhamento necessário. Mas já no início de 2021 foi visto a necessidade de ir além, pois, embora algumas mulheres buscassem apoio, quem está em situação de violência convive, antes de tudo, com o medo. E foi pensando em atingir um número maior de mulheres silenciadas que a REDE pensou em elaborar um documentário com relatos de mulheres reais.
A partir do mês de março a REDE Comunitária de Santo Amaro direcionou a sua estratégia de intervenção à criação desse material, identificando as mulheres que poderiam contribuir a partir dos seus relatos de vida, como elas gostariam de gravar essas informações. Foi definido também que profissionais que atuam na prevenção e no enfrentamento à violência contra a mulher precisariam ser articulados para dar a sua parcela de contribuição, indicando, inclusive, quais os caminhos que devem ser percorridos para que a vítima possa denunciar o agressor de maneira segura. Paralelamente, buscamos por pessoas que pudessem fazer todo o trabalho de coleta de dados, gravação e edição do material. Chegamos a Pedro e Ueni, jovens que já fizeram parte do Projeto de Redução da Violência Escolar e Comunitária e que participaram de oficinas de Mídias e Áudio Visual desenvolvidas pelo Ruas e Praças e hoje utilizam do conhecimento adquirido como geração da fonte de renda.
Na REDE, uma comissão foi definida para agilizar os processos da Campanha, sempre compartilhando com o grande grupo o que estava sendo feito. A partir dos debates estabelecidos com essa comissão, foi definido o tema da campanha: “Mulher – As diversas faces da violência em tempos de pandemia”, deixando perceptível que a violência nem sempre está associado ao ato de agredir, como foi dito por muitas mulheres ouvidas pelas lideranças comunitárias. Muitas falam sobre o sentimento de submissão, inferioridade, humilhação. Relatam que em meio a pandemia precisaram assumir o risco de continuar trabalhando, caso contrário a família passaria por graves necessidades, mulheres que são proibidas por seus companheiros de estabelecer contato com amigos e familiares. Mulheres que se viram obrigadas a ficarem isoladas com os seus agressores e que demonstram medo inclusive de dormir e serem assassinadas no meio da noite.
Foi com base nesses relatos e a partir da disponibilidade de algumas mulhores em quebrar o silêncio, na tentativa de sair do ciclo de violência que a Campanha e Documentário foram construídos. É fato que a Pandemia também nos impediu de ampliar o número de depoimentos, considerando que duas mulheres, no período de gravação, apresentaram sintomas de Covid-19. Mas o material foi elaborado a partir do relato de duas mulheres moradoras do Bairro de Santo Amaro, uma representante da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, uma mediadora comunitária representando os núcleos de mediação de conflitos, fundamentais no acolhimento e encaminhamento dessas mulheres em situação de violência, representantes da REDE Comunitária e de Organizações sociais do bairro que lidam diariamente com essa realidade e com um objetivo comum: Reduzir os índices de violência contra a mulher, quebrar o ciclo de violência.
Em maio do ano em decurso foi feito o lançamento virtual dessa campanha, contando com a participação de, em média, 60 pessoas. Uma manhã de diálogo, construção e desconstrução de ideias e, além de tudo, uma manhã onde ficou perceptível que essa vontade de mudar não é um desejo apenas da REDE Comunitária e isso nos torna ainda mais fortes.
Os próximos passos desse grupo é fazer com que esse material possa ganhar espaço e chegar ao maior número de pessoas possíveis. Utilizando-o em cada organização social, em reuniões com familiares, realizando cines debates na comunidade, na formação com as juventudes, nos encontros mensais com o fórum da juventude, compartilhando nas redes sociais de cada espaço que compõe a REDE.
A necessidade de compartilhamento é grande, mas sabemos que, em meio a uma pandemia que tem feito muitas vítimas diariamente em nosso estado, os desafios de realiza-lo se tornam ainda maiores. O que fica é a certeza de que a denúncia é a principal arma no enfrentamento à violência. “Toda vez que a gente denuncia a gente quebra o ciclo da violência e vai em busca da nossa cidadania, a gente busca os nossos direitos. Denunciar é não se calar! “
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=C_wHibgj42o&feature=youtu.be